Esta é uma pequena introdução carismática e certamente irônica à minha loucura que aparece sempre, mas que só transpareço de vez em quando:
Demência
Não consigo parar de gargalhar. Não consigo parar de rir do sangue nas ruas. Das mulheres feitas de hematomas. Dos homens cheios de crateras. Desses humanos cobertos e infestados de pústulas. Não consigo não rir dos olhos brancos, vazios, do apresentador de telejornal. Ele fala do mundo e me mostra ruas de prédios feitos de piche, a voz inflamada de orgulho. Balões de cuspe pairam pela cidade, estourando-se pela cidade e todos sorriem feliz, quase como agraciados enquanto se veem cobertos pela saliva política. E eu gargalho. Gargalho quando ele fala sorrindo: “A violência diminuiu, meus irmãos, é uma época de comemoração!”. E rio, sem parar, ao vê-lo acertar o câmera com um soco e sorrir. Um sorriso de dentes apodrecidos, a maquiagem escorrendo pelo rosto, chegando até o canto superior dos lábios, pastosa e lodosa, deixando a mostra um olho arroxeado e cicatrizes marcando-lhe o nariz. Meus olhos aguados pelo riso entram em foco. Vejo que ele não acertou a câmera. Foi sua própria dignidade.
Aplaudo, entre risos de escárnio, quando todos a minha volta ignoram seus clones, limpos, bonitos, áureos, que os seguem carregando machados, tentando abrir-lhes a mente. Um passarinho pia e o surdo o ouve. Como não sorrir quando o homem saca a arma de dentro de sua revista futebolística e atira no pássaro? As penas flutuam, em tufos do sangue escuro... Impuro. Flutuam e mancham a pele, abrindo buraco nos apressados no meio do tráfego. Solto um risinho nervoso, de quase alegria e deleite. Rio dos homens enfiados em ternos recheados de pragas, carregando suas valises cobertas de lagartas, os pés sendo carcomidos pela lama que afunda o chão da cidade, misturado com o sangue da contenção a violência na noite passada. Rio das mulheres cobertas de petróleo, os lábios pintados de lama, no cabelo algas do esgoto, o perfume com vestígios de morte e podridão, de abandono e vaidade, a maquiagem formando lagos, negros e profundos, embaixo dos olhos escorridos. Elas colocam a mão nos lábios secos, enchendo-lhes cada vez mais de petróleo rosa, como uma fruta madura, as bochechas da cor de um morango apodrecido... Elas sorriem adoráveis, os dentes puros, a língua vermelha, quase luxuriante. Afrodites do inferno! Então, inspirada, eu danço em cortejo a elas, danço entre as ruas, rasgando poesias e rio, nunca paro de rir, do olhar de curiosidade e de susto quando me veem daquela forma. O céu está sujo, aponto. Parece um a enorme cúpula, um vidro de carro, poeirento e riscado. Ninguém respira! E tampouco se importa...
Aplaudo, entre risos de escárnio, quando todos a minha volta ignoram seus clones, limpos, bonitos, áureos, que os seguem carregando machados, tentando abrir-lhes a mente. Um passarinho pia e o surdo o ouve. Como não sorrir quando o homem saca a arma de dentro de sua revista futebolística e atira no pássaro? As penas flutuam, em tufos do sangue escuro... Impuro. Flutuam e mancham a pele, abrindo buraco nos apressados no meio do tráfego. Solto um risinho nervoso, de quase alegria e deleite. Rio dos homens enfiados em ternos recheados de pragas, carregando suas valises cobertas de lagartas, os pés sendo carcomidos pela lama que afunda o chão da cidade, misturado com o sangue da contenção a violência na noite passada. Rio das mulheres cobertas de petróleo, os lábios pintados de lama, no cabelo algas do esgoto, o perfume com vestígios de morte e podridão, de abandono e vaidade, a maquiagem formando lagos, negros e profundos, embaixo dos olhos escorridos. Elas colocam a mão nos lábios secos, enchendo-lhes cada vez mais de petróleo rosa, como uma fruta madura, as bochechas da cor de um morango apodrecido... Elas sorriem adoráveis, os dentes puros, a língua vermelha, quase luxuriante. Afrodites do inferno! Então, inspirada, eu danço em cortejo a elas, danço entre as ruas, rasgando poesias e rio, nunca paro de rir, do olhar de curiosidade e de susto quando me veem daquela forma. O céu está sujo, aponto. Parece um a enorme cúpula, um vidro de carro, poeirento e riscado. Ninguém respira! E tampouco se importa...
Rio quando fumam as árvores e sorriem mostrando orgulhosos o câncer entre suas gengivas, larvas como se parecendo feitas de fumaça a comer devagarzinho seus dentes. Rio enquanto furam seus próprios olhos, falando de uma nova ciência, uma nova cultura daqueles que não sabem ver. Que benção, ateus! Que benção, cristãos! Gargalho, quase gritando, chorando dos brados retumbantes: Somos uma nova geração! Gritam isto enquanto afundam o mundo, enlameiam, queimam e o destroem. A melhor piada do mundo são os próprios humanos! São! Eu juro! Digo, rindo. Fiquem todos calmos enquanto berrem e se escancarem, afinal de contas, quem não gosta da perdição? Vamos lá! O mundo é só papel e todos querem ouro, ouro, ouro! Revistam-se de sua própria pobreza, queridos. São apenas uma corja de assassinos. E eu gargalho, quase rouca e sem voz, os olhos repletos de lágrimas pelo esforço. É tão engraçado isso... Me chamam de insana enquanto me contorço no banco da praça, que não tem mais bicho, não tem mais árvores, não tem mais nada, nem crianças, nem jovens... Nem gente. O tráfego atravessa os pulmões da cidade, da floresta e a enche de fumaça barata, de inseticida e formicida, tudo para a longa vida e evolução da população. Homens entediados enfurnados em seus carros-caixão, berrando canções de amor para o amigo da frente ir mais depressa, porque ele tem que chegar a lugar nenhum, nem reparam nos corvos em cima da cabeça, bicando-a, tirando nacos de seu cérebro. É um compromisso importante, não pode se atrasar, sem ele o pobre homem terá que passar um tempo com o filhinho mongoloide. Rio baixinho de sua preocupação, de seu preconceito reluzente e lustrado. Que bonito, que bonito! Andem, minha gente, corram, se apressem, pisoteiem aqueles que chamam de indigente pelas ruas! São apenas pessoas, não olhe o próximo, não se preocupe com nada além de si mesmo. O centro do universo é você! O homem do telejornal continua matraqueando. E eu rio... Ah que risada boa!
Uma mulher sorri, sem dentes e acena para o vidro, para todo aquele nada, para o seu próprio vazio... Diante de um espelho. Um gesto patético, um cílio seu despenca e ela arranca o próprio olho, talvez pensando em colocar outro de uma cor diferente. Ela é tão engraçada, não acham? Grito, na rua. Vocês são tão divertidos! Grito para eles, que não mais me escutam. Só fazem ecos, repetindo piadas. Reparo que há anos eu nunca vi ninguém rir, nesse novo mundo. Então rio por todos, gargalho, solto gritinhos supersônica por todos nós. E então... Vocês me prendem. Tão delicados e gentis! Que doçura de humanos! Quebram minha caneta do meio, me fazem engolir meus papéis, enquanto eu não consigo parar de rir dessa nova brincadeira. Vocês me analisam; então me amordaçam e amarram. Querendo parar o som que sai de minha boca, das vibrações de minha garganta, do movimento ‘anormal’ do meu corpo, da minha dança, minha risada, da minha poética... Só que nada disso adianta. Eu continuo gargalhando. Seguindo adiante. Ferindo seus ouvidos. Rindo da demência desse mundo pobre, podre e cego. De vocês todos, doentes! Como podem não rir a sair de suas casas, ao olhar para o espelho, para as imagens da televisão...? O mundo é tão engraçado! Tão, tão divertido!
(Janine Oliveira)
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